Taciani A. C. Colnago Cabral1
A Lei n. 11.101, de 2005, estabelece regras de atuação judicial nas situações de crise da empresa, especialmente pelo procedimento de sua recuperação judicial, quando credores e devedores estabelecem composição acerca dos créditos habilitados na assembleia-geral de credores, de modo a viabilizar a preservação do empreendimento. Este estudo tem por objeto avaliar qual a colocação dos créditos públicos não tributários no processo de recuperação judicial, especialmente perante a importância da questão na atualidade da jurisprudência nacional.
The law of Judicial reorganization procedure establishes rules of judicial action in the crisis’ situations of the company, especially by the procedure of its judicial recovery, when creditors and debtors establish composition about the credits authorized at the general assembly of creditors, in order to make feasible the company preservation. This study aims to assess the placement of non-tax public credits at the general assembly of judicial reorganization procedure, especially in view of the importance of the issue in the current national jurisprudence.
Palavras-chave: Recuperação Judicia. Habilitação. Crédito não tributário.
O advento da Lei n. 11.101, de 2005, modificou substancialmente o regime jurídico da crise da empresa, especialmente quando não configurado estágio falimentar, ao substituir o instituto da concordata pela figura da recuperação judicial da empresa.
A referida alteração normativa teve o escopo de modificar o foco da atuação jurisdicional quanto à empresa em crise, estabelecendo o centro das deliberações nos credores em detrimento da própria tutela jurisdicional, com o escopo de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e a salvaguarda do interesse dos credores, de modo a concorrer para a preservação da empresa e de sua função social, além de estimular a atividade eco-nômica.
As importantes mudanças perpetradas tangenciaram, também e obviamente, ao concurso de créditos próprio da situação da crise da empresa, declinando as obrigações incluídas e, por via reflexa, as excluídas do regime recuperacional, entretanto, sem tratar de modo claro a questão dos créditos que, a despeito de sua natureza pública, não detém essência tributária.
Com efeito, o art. 41 da Lei n. 11.101, de 2005, sublinha que na assembleia-geral de credores tomarão parte os titulares de créditos trabalhistas ou decorrentes de acidentes de trabalho, os titulares de créditos com garantia real, os titulares de créditos quirografários e os titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, o que denota que os créditos da Fazenda Pública não haverão de observar o regime concursal.
Ratifica o propósito do legislador de excluir os créditos da Fazenda Pública do concurso creditório das recuperações judiciais especificamente a prescrição do art. 191-A da Lei n. 11.101, de 2005, segundo o qual “a concessão de recuperação judicial depende da apresentação de prova da quitação de todos os tributos”.
O propósito da referida exclusão é nítido: atendendo ao dogma da supremacia do interesse público, afastar do concurso de créditos aqueles cuja titularidade é reservada aos entes públicos, especialmente da Administração Direta, de modo a assegurar que, quanto a estes, o adimplemento seja integral, inclusive como condição à concessão da recuperação.
Tal opção legislativa decorre evidentemente da natureza dos créditos tributários, essência das obrigações cumpridas para com o Poder Público, de maneira a resguardar que mesmo a empresa em crise concorra para o fomento das atividades primárias de custeio do Estado.
A despeito das referidas premissas fixadas pelo legislador, não há como deixar de perceber que nem todos os créditos de titularidade da Fazenda Pública ostentam natureza tributária, o que torna controversa a questão quanto à inclusão, ou não, no concurso creditício da recuperação judicial das obrigações para com o Poder Público que não enverguem natureza tributária.
É exatamente este o objeto do presente estudo, o qual assume importância nos dias atuais, notadamente porque o tema vem sendo objeto de extenso debate judicial em case de grande repercussão re-ferente ao processo de recuperação judicial de empresa de telefonia.
A recuperação judicial é instituto jurídico reservado à atuação na crise da empresa, que tem o escopo de, observando o princípio da preservação da empresa, prestigiar a composição dos interesses dos credores com o devedor, de maneira a viabilizar a manutenção da atividade econômica, dos empregos e da função social da empresa.
Nesse contexto, reduzindo a intervenção judicial no exame das composições, considerado o parâmetro do regime da concordata (De-creto-lei n. 7.661, de 1945), o legislador definiu expressamente quais créditos devem ser inseridos no regime da recuperação judicial, segmentando-os por classes às quais competirá apreciar o plano de recuperação na assembleia-geral de credores.
Tais classes são fundamentalmente, a teor do art. 41 da Lei n. 11.101, de 2005, os titulares de créditos derivados da legislação trabalhista, incluindo acidentes de trabalho; os titulares de créditos com garantia real; os titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; e os titulares de créditos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte.
A primeira classe de credores a ser habilitada é a dos titulares de obrigações trabalhistas, inclusive aquelas decorrentes de acidentes de trabalho, o que traz a lume a conhecida discussão referente à distinção entre relação de trabalho e relação de emprego, cujos contornos tendem a estabelecer aquela como gênero e esta como espécie, especificamente reservada para as hipóteses em que configurados os requisitos da Consolidação das Leis do Trabalho (2).
A expressa opção legislativa de utilizar o termo relação de trabalho, ao invés de relação de emprego, retrata com muita veemência a deliberação de submeter ao concurso de créditos inerente à recuperação judicial todos os vínculos da relação de trabalho, alcançando inclusive tomadores eventuais de serviços e trabalhadores temporários, e não apenas aqueles cujo vínculo jurídico com o devedor seja dotado das elementares da pessoalidade, da não eventualidade, da onerosidade e da subordinação.
Tal assertiva é ratificada, a propósito, pela inclusão dentre a primeira classe de credores aqueles titulares de obrigações decorrentes de acidente de trabalho contra a empresa em recuperação, o qual se configura
pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou do emprega-dor doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referi-dos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (art. 19 da Lei n. 8.213, de 1991, com a redação dada pela Lei Complementar n. 150, de 2015).
Fosse o propósito de incluir apenas empregados, e não todos os créditos vinculados a toda sorte de trabalho, não haveria sentido arrolar na primeira classe da assembleia-geral de credores os créditos decorrentes dos acidentes de trabalho.
Noutro plano, agora por influência da legislação de regência do seguro social no Brasil, configuram-se acidentes de trabalho por extensão e equiparação, respectivamente, os seguintes eventos (arts. 20 e 21 da Lei n. 8.213, de 1991, com a redação dada pela Lei Complementar n. 150, de 2015):
Art.20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
(…)
Art. 21.Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por tercei-ro ou companheiro de trabalho;b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;d) ato de pessoa privada do uso da razão;e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. §1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por oca-sião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
Consoante se infere, a prioridade conferida pelo legislador aos créditos decorrentes de relações de trabalho e de acidentes de trabalho é tão marcante que inclui até mesmo aquelas obrigações inerentes ao FGTS, às multas rescisórias dos arts. 467(3) e 477(4) da CLT e aos honorários de advogado, por interpretação analógica do art. 24 da Lei n. 8.906, de 1994(5), observado, contudo, em todas as hipóteses, limitação quantitativa de 150 salários mínimos por credor(6), também aplicável na espécie em razão da analogia.
Já a segunda classe de credores submetidos ao procedimento da recuperação judicial é a dos titulares de créditos dotados de garantia real, as quais, a teor do art. 1.419 do Código Civil(7), garantem o paga-mento da dívida mediante vinculação de determinado bem individua-do, vinculado a um penhor, uma anticrese ou uma hipoteca.
Transcendem, a toda prova, aos limites do presente estudo apre-ciar de modo aprofundado cada um dos institutos estabelecidos na legislação civil para fins de configuração da garantia real, vale dizer: da vinculação de um objeto específico como instrumento afiançador da quitação de determinada obrigação, de modo que, para os fins aqui propostos, são suficientes as premissas ora fixadas para a definição da segunda classe de credores submetidos à recuperação judicial.
É justamente a definição da garantia real, versada quanto à segunda classe de credores, que permite estabelecer os contornos da figura do titular de crédito quirografário, integrante da classe subsequente submetida à recuperação judicial e cuja definição se opera especificamente por operação de exclusão. Será credor quirografário exata-mente aquele detentor de crédito que não ostentar qualquer privilégio legal, seja por sua natureza, seja pela ausência de vinculação a um bem específico, o que lhe submete, com maior risco, aos dissabores da inadimplência.
São justamente os credores quirografários que integram a terceira classe de créditos submetidos à recuperação judicial, concorrendo, na espécie, com detentores de créditos com privilégio especial, geral ou subordinado.
É certo que as naturezas dos referidos créditos são demasiada-mente distintas, entretanto, ainda assim, houve evidente deliberação do legislador de seu agrupamento em classe única para fins de recuperação judicial.
A figura dos privilégios, tanto gerais(8) quanto especiais(9), é objeto de expressa definição na legislação civil, em título próprio do Livro das Obrigações, cujo detalhamento também transcende os limites do presente estudo.
Finalmente, ainda nesta classe, se incluem os titulares de créditos subordinados, cuja definição decorrerá de composição contratual ou de legislação específica, destacando-se no último caso a hipótese os debêntures sem garantia e com previsão de subordinação(10).
A última classe submetida à recuperação judicial é a dos credores enquadrados como microempresários ou empresários de pequeno porte, cuja configuração jurídica está atrelada à renda bruta anual nos patamares estabelecidos na Lei Complementar n. 123, de 2006(11).
A descrição por parte do legislador das classes de credores sub-metidos à assembleia-geral, fundamentalmente com base na natureza jurídica, repercute na conclusão de que outros credores, vale dizer: ocupantes do polo ativo de relações obrigacionais de natureza distinta daquelas ali descritas, não devem ser submetidos ao regime recuperacional.
Em outros termos, o propósito legislativo de descrever quais créditos se submetem à assembleia-geral de credores reside não apenas em promover tal definição e classificação mas, também, de indicar por via reflexa quais os créditos que não devem integrar o plano de recuperação.
Tal concepção se ratifica, por exemplo, da leitura do art. 191-A do Código Tributário Nacional, acrescido na redação originária pela Lei Complementar n. 118, de 2005, justamente na época da promulgação da Lei n. 11.101, de 2005, segundo o qual “a concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos”, o que indica que tais créditos não só não se submetem à recuperação como seu pagamento é condição ao processamento do pedido de recuperação.
Neste mesmo compasso, Marcelo Sacramone faz a seguinte observação:
A caracterização de determinada pessoa como credor faz-se por meio do processo de verificação de crédito, tanto na falência quanto na recuperação judicial. O credor será considerado habilitado se o seu crédito estiver incluído no quadro-geral de credores, em razão do julgamento das impugnações judiciais (art. 18) ou em virtude da falta de impugnação à lista apresentada pelo administrador judicial (art. 14).(12)
A fixação das referidas premissas permite identificar, então, que os créditos de natureza pública, de que titulares os entes da Administração Direta, não apenas não integram o rol de créditos que devem ser habilitados no curso de procedimento de recuperação judicial como, de modo muito mais incisivo, tem seu pagamento definido pela legislação de regência como condição ao processamento do pedido de recuperação.
Tal premissa sublinha, com cores fortes, a relevância da temática proposta, especificamente ante a percepção de que o regime jurídico indicado se restringe exclusivamente à quitação de tributos.
As premissas estabelecidas no tópico antecedente, atinentes aos créditos da Fazenda Pública a serem adimplidos no curso da recuperação judicial, traz a lume questão complementar à temática proposta.
Tal questão se refere essencialmente à natureza dos créditos de titularidade da Administração Pública, em relação à qual é imprescindível a invocação da prescrição do art. 39 da Lei n. 4.320, de 1964(13), notadamente no particular da distinção entre créditos tributários e não tributários.
A acurada leitura da legislação citada indica, especialmente a partir de seu cotejo com o Código Tributário Nacional, que os créditos de titularidade da Fazenda Pública perante particulares podem, de um lado, decorrer de hipóteses de incidência tributária a todos dirigi-da, decorrentes de impostos, taxas e contribuições de melhoria, mas, noutro plano, também podem decorrer de relações negociais ou da imposição de obrigações sancionatórias decorrentes do exercício do poder de polícia.
Então, os créditos da Fazenda serão tributários quando decorrentes de “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (art. 3º do Código Tributário Nacional), ao passo que, de outra banda, os de natureza não tributária:
são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabeleci-das em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais (art. 39, § 2º, da Lei n. 4.320, de 1964).
Nesse sentido, Luciano Amaro afirma:
Esse conceito quis explicitar: a) o caráter Pecuniário da prestação tributária (como prestação em moeda); b) a compulsoriedade dessa prestação, ideia com a qual o Código Tributário Nacional buscou evidenciar que o dever jurídico de prestar o tributo é imposto pela lei, abstraída a vontade das partes que vão ocupar os pólos ativo e passivo da obrigação tributária, opondo-se, desta forma, a compulsoriedade do tributo à voluntariedade de outras prestações pecuniárias; c) a natureza não sancionatória de ilicitude, o que afasta da noção de tributo certas prestações também criadas por lei, como as multas por infração de disposições legais, que têm a natureza de sanção de ilícitos, e não de tributos; d) a origem legal do tributo (como prestação instituída em lei), repetindo o Código a ideia de que o tributo é determinado pela lei e não pela vontade das partes que irão figurar como credor e devedor da obrigação tributária; e) a natureza vinculada (ou não discricionária) da atividade administrativa mediante a qual se cobra o tributo.(14)
É certo, deve ser anotado, que independentemente de sua natureza, os créditos de titularidade da Fazenda Pública devem ser inscritos em dívida ativa, após regular constituição e inadimplemento, na forma da Lei n. 6.830, de 198015, providência que, todavia, não tem o condão de alterar a natureza jurídica da obrigação do particular em face da Fazenda Pública.
A distinção em comento é fundamental ao exame da temática proposta, atinente à aplicação, ou não, do concurso de créditos próprio da recuperação judicial em relação aos créditos da Fazenda Pública não dotados de natureza tributária, sobretudo perante a prescrição do art. 41 da Lei n. 11.101, de 2005.
Tal importância assume foro ainda mais relevante quando sope-sada com a prescrição do art. 191-A do Código Tributário Nacional, cuja redação decorre da promulgação da Lei Complementar n. 118, de 2005, estabelecendo que “a concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei”.
O exame acurado das premissas fixadas estabelece diretriz importante à solução da questão proposta ao presente estudo, referente à submissão, ou não, dos créditos da Fazenda Pública de natureza não tributária.
Com efeito, não há como deixar de perceber que o legislador foi expresso ao condicionar o processamento e a conclusão, portanto, da recuperação judicial à regular comprovação da quitação dos créditos da Fazenda Pública de natureza tributária.
O detalhamento da legislação específica declinou, ademais, que a definição das classes de credores submetidas à recuperação judicial observa rol taxativo, relativamente ao qual não é possível, mesmo me-diante deliberação da assembleia-geral de credores, incluir créditos não previstos explicitamente pelo legislador.
Noutro plano, todavia, é incontornável a verificação de que o legislador da Lei n. 11.101, de 2005, não incluiu, ainda que por via reflexa, os créditos de titularidade da Fazenda Pública que não disponham de natureza tributária na classe de credores submetidos ao concurso creditório na recuperação judicial. Não bastasse isso, tampouco o legislador estabelece a quitação das mencionadas obrigações como condição ao processamento das recuperações judiciais, como feito pelo art. 191-A do Código Tributário Nacional quanto às obrigações de natureza tributária.
Não há, destarte, como deixar de concluir pela natureza extraconcursal dos citados créditos na recuperação judicial.
Com efeito, reconhecida a taxatividade do rol de classes dispostas pelo legislador para participação na assembleia-geral de credores e restringindo-se a condição de processamento das recuperações judiciais ao pagamento das obrigações de natureza tributária, não há como deixar de concluir que, quanto às demais, ou seja, as verbas de titularidade da Fazenda Pública de natureza não tributária, a opção legislativa foi de afastar tais obrigações do concurso creditício.
Tal conclusão, ainda que não tenha sido objeto de pontual apreciação por parte do Superior Tribunal de Justiça, acabou sendo re-conhecida, ainda que por via reflexa, no bojo da fundamentação do julgamento do Agravo Regimental no Conflito de Competência n. 112.646-DF, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, quando a egrégia Primeira Seção declinou, especificamente no item 4 do acórdão, que a recuperação judicial é “medida que veio substituir a antiga concordata”, de modo a constituir “modalidade de renegociação exclusivamente dos débitos perante credores privados”.
Assim, segundo o precedente, os créditos tributários de titularidade da fazenda Pública que não disponham de natureza tributária não se submetem à recuperação judicial, notadamente em razão de sua composição negocial haver sido reservada pontualmente para os credores privados, o que ratifica a conclusão, já feita neste estudo, de que o foco das deliberações foi afastado do Poder Judiciário e reservado aos próprios interessados.
Esta conclusão, todavia, deve ser sublinhado, não inviabiliza que, no curso da recuperação judicial, antes ou depois de seu ajuizamento, os referidos créditos sejam objeto de parcelamento ou anistia parcial, observadas as condições e exigências próprias da respectiva legislação (v.g. Lei n. 13.496 e Lei n. 13.494, ambas de 2017).
Não há, destarte, como deixar de concluir que, apesar de o paga-mento das obrigações de natureza tributária configurar condição ao processamento do pedido de recuperação judicial, quanto aos créditos de natureza não tributária, optou o legislador por excluí-los tacitamen-te no concurso inerente à recuperação, de forma que, de um lado, seu respectivo titular não integra o rol de integrantes da assembleia-geral, bem como, de outra banda, o pagamento do respectivo crédito não é condição ao processamento da recuperação.
Apreciada a questão proposta, atinente à submissão dos créditos de natureza não tributária da Fazenda Pública nos procedimentos de recuperação judicial, é imperiosa a conclusão de que os mencionados créditos não se submetem ao concurso creditório recuperacional, es-pecificamente porque não são arrolados dentre as classes de credores participantes da assembleia-geral, além de não terem sua respectiva quitação como condição ao processamento da medida de combate à crise da empresa regida pela Lei n. 11.101, de 2005.
Destarte, as ditas obrigações dispõem de extraconcursal, cuja quitação, inclusive mediante parcelamento, haverá de observar a legislação fiscal própria, e não a prescrição da Lei n. 11.101, de 2005.
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1 – Advogada com especialização em Direito Empresarial. Mestranda em Direito Empresarial. Integrante das Comissões de Direito Empresarial e de Recuperação Judicial e Falência da OAB/MG. Associada ao IBAJUD – Instituto Brasileiro de Administradores Judiciais®. Certificada e Aprovada em Administração Judicial pela TMA Brasil – Turn around Management Association®. Currículo Lattes <http://lattes.cnpq.br/6993051313730323>.
2 – Consolidação das Leis do Trabalho, art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
3 – CLT, art. 467, com a redação da Lei n. 10.272, de 2001. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisó-rias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento.
4 – CLT, art. 477, com a redação das Leis n. 13.467, de 2017, e n. 7.855, de 1989. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo (…). § 8º A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
5 – Lei n. 8.906, de 1994. Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
6 – Lei n. 11.101, de 2005. Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho.
7 – Código Civil, art. 1419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipo-teca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.
8 – Código Civil, art. 965. Goza de privilégio geral, na ordem seguinte, sobre os bens do devedor: I – o crédito por despesa de seu funeral, feito segundo a condição do morto e o costume do lugar; II – o crédito por custas judiciais, ou por despesas com a arrecadação e liquidação da massa; III – o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido, se foram moderadas; IV – o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor, no semestre anterior à sua morte; V – o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família, no trimestre anterior ao falecimento; VI – o crédito pelos impostos devidos à Fazenda Pública, no ano corrente e no anterior; VII – o crédito pelos salários dos empregados do serviço doméstico do devedor, nos seus derradeiros seis meses de vida; VIII – os demais créditos de privilégio geral.
9 – Art. 964, com a redação da Lei n. 13.176, de 2005. Têm privilégio especial: I – sobre a coisa arrecadada e liquidada, o credor de custas e despesas judiciais feitas com a arrecadação e liquidação; II – sobre a coisa salvada, o credor por despesas de salvamento; III – sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeito-rias necessárias ou úteis; IV – sobre os prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas, ou quaisquer outras construções, o credor de materiais, dinheiro, ou serviços para a sua edificação, reconstrução, ou melhoramento; V – sobre os frutos agrícolas, o credor por sementes, instrumentos e serviços à cultura, ou à colheita; VI – sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico, nos prédios rústicos ou urbanos, o credor de aluguéis, quanto às prestações do ano corrente e do anterior; VII – sobre os exemplares da obra existente na massa do editor, o autor dela, ou seus legítimos representantes, pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição; VIII – sobre o produto da colheita, para a qual houver concorrido com o seu trabalho, e precipuamente a quaisquer outros créditos, ainda que reais, o trabalhador agrícola, quanto à dívida dos seus salários; IX – sobre os produtos do abate, o credor por animais.
10 – Lei n. 6.404, de 176. Art. 58. A debênture poderá, conforme dispuser a escritura de emissão, ter garantia real ou garantia flutuante, não gozar de preferência ou ser subordinada aos demais credores da companhia. (…) § 2º As garantias poderão ser constituídas cumulativamente.
11 – Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devida-mente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I–no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II–no caso de empresa de pequeno porte,aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superiora R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$4.800.000,00 (quatro milhões e oito centos mi reais).
12 – SACRAMONE, 2018, p. 167
13 – Lei n. 4.320, de 1964, art. 39, com a redação do Decreto-lei n. 1.735, de 1979. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias (…). § 2º Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitiva-mente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
14 – AMARO, 2003, p. 18-19.
15 – Lei n. 6.830, de 1980, art. 2º – Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária naLei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Em Patos de Minas, a ACCC é encarregada da gestão da recuperação judicial da Borracharia…
Em Dores do Indaiá, região central de Minas, cabe a ACCC a administração de pedido…