Glaucia Albuquerque Brasil
Taciani Acerbi Campagnaro Colnago Cabral
I. Introdução; II. A assembleia geral de credores e seu papel na recuperação judicial. III. A formação da relação de participantes e seus procuradores. IV. A publicação do quadro geral de credores consolidado. V. A convocação da assembleia geral de credores. VI. A efetiva realização da assembleia. VII. Conclusões. VIII. Referências.
A partir da mudança do regime concorrencial no Brasil, instituído pela Lei n.º 11.101, de 2005, marcada fundamentalmente pela exaltação da importância dos credores na definição de políticas de superação da crise empresarial, a figura do administrador judicial passa a assumir importância ainda maior, na condição de agente de instrumentação do quadro geral de credores, elemento fundamental à legítima deliberação dos titulares de crédito em relação ao empresário em crise.
Tal nova conformação processual é, destarte, elemento de redefinição do perfil do administrador judicial, o que ensejou, inclusive que Daniel Cárnio Costa cunhasse a expressão funções transversais do administrador judicial, referindo-se a um papel de pró-atividade deste profissional no exercício de suas atividades, dirigido fundamentalmente pelo dogma da função social da empresa (COSTA, 2018).
Considerando, então, a premissa de que é justamente a assembleia-geral de credores a oportunidade em que os credores regularmente habilitados, após extenso procedimento de validação, quantificação e classificação de créditos, manifestam sua vontade acerca da proposta de reestruturação da empresa em crise, é notória a constatação da relevância do papel do administrador judicial na preparação do mencionado evento, fundamental à adequada deliberação dos credores acerca das medidas planejadas e implementadas pelo devedor.
O objeto do presente estudo é, então, justamente este: sob o enfoque dos deveres e encargos do administrador judicial, estatuídos pela Lei n.º 11.101, de 2005, especificamente no seu art. 22, sempre informado pelo princípio da preservação da empresa e pela relevância do papel dos credores na definição dos destinos do empresário em crise, identificar as providências a serem adotadas pelo administrador na realização da assembleia-geral de credores.
Este quadro de coisas é ainda modificado pelo advento da pandemia, que, de um lado, aumentou o quadro de crise empresarial vivenciada no país e no mundo, bem como, de outra banda, passou a exigir do administrador outras tantas competências e habilidades, diretamente relacionadas com a realização de assembleia virtual, na forma da Recomendação n.º 63, de 2020, do Conselho Nacional de Justiça.
Todas estas circunstâncias definem as exigências ao administrador judicial, as quais serão objeto do presente estudo.
A assembleia geral de credores, segundo literal dicção do art. 35 da Lei n.º 11.101, de 2005, tem a atribuição, na recuperação judicial, de deliberar sobre (a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial; (b) constituição de comitê de credores e sua composição; (c) eventual pedido de desistência; (d) a indicação de gestor judicial, no caso de afastamento do devedor; (e) alienação de bens e direitos não prevista no plano de recuperação; e (f) outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.
A leitura do preceito permite, assim, identificar a assembleia geral de credores como órgão de representação da coletividade de credores e seus interesses na recuperação judicial, com atribuição central de deliberar acerca da aprovação ou rejeição do plano de reestruturação do devedor.
Logo, será a assembleia geral de credores o palco de concretização e conciliação dos valores em colisão na crise empresarial, retratada pelos legítimos interesses patrimoniais dos credores e pela salvaguarda da empresa viável, enquanto elemento social de valorização do trabalho, da livre iniciativa e da geração de emprego e renda.
A instalação da assembleia geral pressupõe, obviamente, a prévia objeção de algum dos credores ao plano de recuperação aprovado, bem como a regular convocação de interessados, tanto pela imprensa oficial, quanto pelos veículos da imprensa local, de modo a assegurar a ampla publicidade do evento e, assim, a legítima participação dos credores, de maneira a viabilizar amplo debate acerca das condições do plano de recuperação judicial, especialmente acerca das condições e prazos de pagamento, além do deságio de créditos concursais.
Justamente em virtude da amplitude dos debates que se instalam na assembleia geral de credores é que se identificam, não em raras oportunidades, a aprovação de planos de recuperação completamente distintos daquele originalmente proposto pelo devedor, em efetiva afirmação do papel central das partes na solução da crise empresarial.
É evidente, destarte, que a realização de assembleia geral de credores bem organizada deve ser foco de atenção da administração judicial, desde a sua nomeação, tendo em vista que eventual vício repercute em diversos prejuízos relevantes a todos os envolvidos, tanto sob o aspecto da morosidade processual, quanto em enfoque econômico-financeiro, neste particular atingindo profundamente o devedor e toda a sociedade, por corolário, assim como a cada um dos credores individualmente considerados.
A adoção de todas as providências com a devida antecedência e planejamento, cercando-se de medidas próprias, eficazes, esclarecedoras e transparentes, viabilizando a adequada manifestação de vontade dos credores e a oportunidade de reestruturação da empresa, são circunstâncias muito relevantes na identificação do adequado exercício das funções transversais por parte do administrador judicial, ainda mais em contexto de instalação de grave crise econômica e de necessidade de realização de conclaves virtuais.
A efetiva realização de uma assembleia geral de credores, alicerçada em atos escorreitos, lastreados de legalidade, sem qualquer supressão de prazos e requisitos legais, estampa um feito recuperacional eficiente e permite às partes envolvidas a superação dos trâmites processuais antecedentes e a conformação de um cenário de clareza e transparência quanto ao recebimento de créditos e ao exercício das atividades empresariais.
Para tanto, e propondo-se a promover o exame das incumbências do administrador judicial para a adequada realização da assembleia geral de credores, é fundamental que se detalhem as medidas referentes (a) à formação da listagem de participantes e seus procuradores; (b) à publicação do quadro geral de credores consolidado; (c) à convocação da assembleia geral de credores; e (d) à realização da assembleia propriamente dita.
Muito pertinente o registro de que as mencionadas etapas são, observadas obviamente as particularidades próprias de cada legislação, as mesmas adotadas em outras legislações, sendo possível indicar, por exemplo, os procedimentos da Bankruptcy estadunidense e da Ley de Quiebras y Concursos argentina.
A realização escorreita de assembleia geral de credores pressupõe, necessariamente, uma adequada composição de listagem de participantes do evento, que se presta fundamentalmente à identificação dos credores, e seus respectivos procuradores, se for o caso, de modo a viabilizar uma pronta constatação de quem serão os votantes do evento.
A dita providência, como sói evidente, tem por lastro o quadro de credores estabelecido nas fases antecedentes do processo de recuperação judicial.
Nesta quadra, é possível e, muito mais que isto, recomendável que o administrador judicial providencie, desde a listagem de credores ofertada pelo próprio devedor, na forma do art. 51, inciso III, da Lei n.º 11.101, de 2005, uma constante preparação da relação de credores e de seus procuradores.
Isso porque, ao averiguar os créditos que irão integrar a sua própria relação de credores, a administração judicial pode adotar o cuidado de acrescentar uma coluna ao final da sua planilha, informando o percentual equivalente daquele crédito em sua respectiva classe.
Com essa singela providência, abre-se um enorme leque de informações àqueles que acessarão a relação de credores de que trata o art. 7o, §2o, da Lei n.º 11.101, de 2005, facilitando a visualização dos possíveis cenários de votos na assembleia geral a todos os interessados, no que se incluem os credores concursais e extraconcursais, a empresa em crise e a própria administradora.
A medida em comento assume, ademais, enorme importância no tratamento dos credores titulares de crédito em moeda estrangeira, especificamente ante a exigência do art. 38, parágrafo único, da Lei n.º 11.101, de 2005, que estabelece o termo de conversão ao padrão monetário nacional na data da véspera da assembleia geral de credores.
Considerando então que, ao tempo da formação dos quadros gerais de credores do art. 7º e do art. 51, ambos da Lei n.º 11.101, de 2005, não há designação de data de assembleia geral de credores que viabilize a conversão dos créditos em moeda estrangeira, tem sido adotada a prática de promover o câmbio com base na data do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, com o competente esclarecimento em nota explicativa, tão somente para viabilizar mensuração provisória dos percentuais de cada crédito no quadro geral de credores.
Tal medida, especialmente quando conjugada com a catalogação regular e constante dos advogados que funcionam na recuperação judicial na defesa dos interesses de cada um dos credores, inclusive com apontamento da respectiva OAB e de seu endereço profissional, é fundamental na facilitação da definição dos participantes da assembleia geral de credores.
Assim, com a conjugação destes elementos disponíveis desde o início da tramitação da recuperação judicial, poderá o administrador definir, com a necessária tranquilidade e segurança, uma prévia listagem de todos os participantes, seja na condição de credor, seja no papel de procurador de credor, habilitados a participar da assembleia geral.
Nesta toada, a providência estabelecida no art. 37, §4º, da Lei n.º 11.101, de 2005, que viabiliza a inscrição de mandatário de credor em assembleia geral até 24 horas antes do certame, assumirá inegável caráter excepcional, justamente em virtude da antecipação do administrador judicial, o que evitará a necessidade de difíceis encargos preparatórios em curto espaço de tempo.
Ademais, a constante preparação da listagem de credores e seus procuradores, enquanto medida prévia de identificação dos participantes da assembleia, facilita sobremaneira os procedimentos de validação de suas identificações e instrumentos de mandato, eis que a providência fica diluída em todo o tramite processual, não estando concentrada apenas nos dias que antecedem o conclave.
A grosso modo, é possível estabelecer que o procedimento da recuperação judicial pode ser dividido em 2 momentos muito particulares: o primeiro, de apuração, quantificação e classificação dos créditos oponíveis à empresa em crise, assim como de identificação de seus titulares e do peso de suas manifestações frente a proposta de reestruturação empresarial; e o segundo, de manifestação e validação da vontade dos credores identificados quanto ao plano de recuperação judicial, quando viável inclusive a redefinição das condições propostas mediante contraproposta das partes e adesão da empresa.
A primeira das referidas fases se processa, inicialmente, perante a própria administradora, em faceta administrativa do procedimento estatuída no art. 7º da Lei n.º 11.101, de 2005, seguindo-se, se for o caso, sua apreciação judicial, na forma do art. 8º da Lei n.º 11.101, de 2005.
Será justamente a conjugação destas deliberações, integralmente na fase administrativa e em parte, se for o caso, após judicialização da questão, que irá conformar o quadro geral de credores definitivo, aqui denominado consolidado, o qual servirá à identificação do peso da manifestação de cada um dos credores em relação à proposta de reestruturação da empresa.
Compete justamente à administração judicial instrumentalizar a formação deste quadro definitivo, consolidado, a ser veiculado na forma do art. 10, §7º, da Lei n.º 11.101, de 2005, com a redação decorrente da Lei n.º 14.112, de 2020, na imprensa oficial em atendimento ao princípio da publicidade, de maneira a estabelecer os parâmetros de apuração de votos na assembleia geral de credores.
Logo, a formação do quadro geral de credores consolidado pressupõe não apenas a apresentação do quadro de credores definido pelo administrador judicial, após sua apreciação acerca dos créditos listados e habilitados, mas também a apreciação judicial de eventuais pedidos de impugnação ou de habilitação, com respectivo trânsito em julgado, de maneira a compor de modo confiável a definição dos créditos sujeitos à recuperação judicial e seus titulares.
Assim, a formação consolidada do quadro geral de credores é premissa à convocação da assembleia geral de credores, cabendo ao administrador judicial contribuir ativamente para sua conformação, em planilha adequada e compreensível, indicativa inclusive do percentual de cada crédito na formação do valor total do crédito da respectiva classe, de modo a viabilizar a pronta identificação do peso dos respectivos votos na deliberação acerca do plano de recuperação judicial.
Concluída a fase de averiguação dos créditos e formação da sua respectiva listagem consolidada, cabe à administração judicial, de modo pró-ativo, submeter ao juízo competente sugestões de datas para realização da assembleia geral de credores.
Isso porque, em que pese o art. 36 da Lei n.º 11.101, de 2005, disciplinar que a assembleia de credores será convocada pelo juiz, o fato é que, na condição de auxiliar do juízo recuperacional, ninguém melhor que a administração judicial para sugerir ao juízo datas, local e horário para realização do conclave.
A mencionada sugestão haverá, por óbvio, de observar o prazo de 150 dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial, definido no art. 56, §1º, da Lei n.º 11.101, de 2005, o qual, conquanto não seja peremptório, deve ser observado na medida do possível, enquanto instrumento de conciliação entre o direito dos credores e os interesses sociais atinentes à função coletiva do empreendimento.
Sob o ponto de vista prático, é prudente que se ofereça ao juízo competente diversas oportunidades de datas, horários e locais para a assembleia, previamente acertados com a empresa em crise e seus mandatários, de modo a evitar dificuldades à sua convocação pelo magistrado.
Afinal, de nada adiantaria o empenho da administração judicial no acertamento de datas e locais, sem qualquer combinação com a empresa, notadamente porque esta figura como protagonista do feito, além de possuir planejamento e compromissos próprios, que devem ser considerados.
Desta feita, o ideal é que ocorra um consenso na escolha das datas e, se possível, que essas tratativas se mantenham registradas eletronicamente (e-mail), formalizando assim o entendimento entre as partes.
Feito isso, a administração judicial estará devidamente amparada para formalizar sua sugestão de datas junto ao juízo concursal, evitando insurgências por parte da devedora, que já se encontrará cientificada da cronologia do conclave.
Destarte, apesar da recomendação prática de que o administrador judicial aponte datas para a convocação da assembleia geral, não há nenhum impedimento a que, concretizada a hipótese prevista no art. 55 da Lei n.º 11.101, de 2005, consistente na apresentação de objeção ao plano de recuperação por qualquer credor, o próprio magistrado promova desde logo a convocação da assembleia geral, na forma do art. 56 da mesma legislação, veiculando o competente edital.
Por óbvio, a convocação deve facilitar o comparecimento do maior número de credores, sendo exigível, em que pese a norma disciplinar apenas o prazo mínimo para a publicação do edital na imprensa oficial e no site do administrador, sua veiculação com suficiente antecedência.
Mais que isto, além de ser veiculado com antecedência que viabilize a participação do maior número de credores, o edital precisa atender às exigências formais do art. 36 da Lei n.º 11.101, de 2005 – referentes à indicação do local, da data e do horário da 1ª e da 2ª convocações, que devem ser intermediadas por pelo menos 5 dias; da ordem do dia; e do local de acesso ao plano de recuperação judicial –, revelando-se prudente a prévia checagem do instrumento pelo próprio administrador judicial, em complemento à secretaria do juízo, antes da veiculação.
A relevância do empreendimento, independentemente de seu vulto; o volume de interessados envolvidos no ato; e as despesas ordinárias para a veiculação do edital recomendam prudência elevada para reduzir o risco de equívocos.
Assim sendo, eventuais equívocos, informações truncadas, omissões ou erros, impactarão de modo prejudicial na realização do conclave, podendo servir de gatilho a alegações de nulidades ou inobservâncias legais, que podem repercutir na necessidade de redesignação da assembleia geral de credores.
Ademais, a indicação de local acessível à realização da assembleia, preferencialmente em pavimento térreo, com condições de acessibilidade, aeração, refrigeração e acomodação de pelo menos 70% do total de credores, é fator que deve ser sopesado pelo administrador judicial, pena de inviabilizar sua realização.
São fundamentais ainda a existência de antecâmara e instalações elétricas e de internet que sejam compatíveis com a instalação de mesas de conferência da identidade de credores e mandatários, assim como de equipamentos de audiovisuais e de informática necessários à instrumentalização do ato.
Nos casos de assembleias que envolvam grandes números de credores, assim consideradas aquelas com mais de 1 mil interessados, é prudente indicar já no edital horário prévio, anterior ao início oficial da sessão, para cadastramento de interessados, viabilizando a antecipação das providências de checagem de identidade, identificação de procurador votante e coleta de assinaturas de presença.
Não é demasiado consignar: quanto maior o número de credores, mais tempo deve ser reservado ao credenciamento dos mesmos e maior deve ser o número de auxiliares da administração judicial, voltados exclusivamente para a fase de credenciamento.
De outro lado, não é conveniente que o agendamento da assembleia seja feito para dias da semana que antecedam ou sucedam feriados e finais de semana. Isso porque, independentemente da expressividade do processo, fato é que há enorme probabilidade de participação de interessados domiciliados em outras localidades, cujo deslocamento é sempre mais difícil nos períodos indicados.
Não bastasse isto, a despeito da exigência legal de que exista interregno de 5 dias entre as convocações, será prudente fixação de lapso maior, tal como 15 dias, especialmente nas hipóteses em que o local da realização da assembleia exija grande deslocamento para número relevante de participantes, tal como se verifica na circunstância de estar sediada em cidade de difícil acesso.
No tocante à ordem do dia, haverá de corresponder à aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, bem como, conforme o caso, à constituição de comitê de credores e sua composição, ao pedido de desistência da recuperação judicial, à designação de gestor judicial no caso de afastamento do devedor ou à matéria de interesse dos credores a ser objeto de deliberação.
Finalmente, o edital deverá indicar o local onde os interessados poderão obter cópia do plano de recuperação a ser objeto de deliberação, ressaltando-se que a prescrição teve sua relevância absolutamente diminuída com a entrada em vigor da Lei n.º 14.112, de 2020, que estabeleceu, dentre as funções do administrador judicial, a de manter site na internet com informações atualizadas sobre os processos de recuperação judicial, inclusive com opção de consulta às peças processuais (art. 22, inciso I, alínea k, da Lei n.º 11.101, de 2005).
Além das ditas exigências, expressamente declinadas pelo legislador, é de se identificar que o contexto da pandemia da COVID-19 trouxe, ainda, um outro cenário possível, especialmente a partir da promulgação da Lei n.º 14.112, de 2020, e da Recomendação n.º 63, de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, a saber: aquele referente às assembleias de credores realizadas em meio virtual.
Nesta hipótese, é evidente que o respectivo edital convocatório deverá consignar expressamente a adoção do dito formato, além de consignar informações que viabilizem o acesso e o cadastramento dos interessados à plataforma eletrônica correspondente.
O contexto sanitário precipitou, quanto ao tema, o desenvolvimento de algumas empresas especializadas no oferecimento do dito serviço – de credenciamento, validação de acesso, realização de assembleia, coleta de votação e apuração de resultado, tudo em meio eletrônico –, viabilizando ao administrador judicial a contratação de importante auxiliar na preparação do ato.
Chegado o dia da assembleia, que representa o ápice do desenvolvimento do procedimento de reestruturação da empresa em crise, oportunidade em que credores e devedores poderão compor mutuamente seus interesses, a figura do administrador assume importância fundamental, sobretudo porque o evento servirá à verificação do êxito das medidas preparatórias adotadas.
A listagem de participantes, inclusive com identificação de mandatários, que deverá ter sido preparada com a necessária antecedência, preferencialmente em ordem alfabética, haverá de estar disponível e validada.
É pertinente, ademais, que ela esteja dividida conforme as classes de credores, de modo a possibilitar a formação de tantas estações de credenciamento quantas forem as classes representadas no processo, em procedimento acompanhado pela equipe da administração judicial, de modo a evitar esquecimentos.
Esta distinção simplifica o procedimento de checagem da identificação dos credores e seus mandatários, mediante documento de identidade oficial, assine listagem comprobatória da presença e receba instrumento de validação da participação, normalmente crachá ou pulseira específicos, providenciados pelo próprio administrador com antecedência.
Será, justamente, o crachá ou a pulseira o instrumento de liberação de acesso ao ambiente de votação, onde realizada a assembleia propriamente dita, sendo viável inclusive que, por instrumento eletrônico eficiente, seja desde já vinculado o dito crachá ou pulseira ao respectivo percentual do crédito de cada credor na classe de que seja integrante.
É importante, todavia, que o dito instrumento de identificação seja reservado a um único participante, especificamente nos casos de credores que compareçam acompanhados de tantos outros agentes, de modo a não permitir que ocorra mais de um voto representando o mesmo crédito.
Não bastasse isto, também é interessante a adoção de modelos de identificação diferenciados, v.g. mediante emprego de colorações distintas, por classes, de modo a viabilizar célere e eficiente identificação nos momentos de colheitas de manifestação e de voto.
A dita providência, ademais, amplamente adotada na modalidade eletrônica das assembleias, facilita imensamente o procedimento de cômputo dos votos e, sobretudo, de apuração do resultado final.
Deficiências na construção das listagens, falta de estações de credenciamento ou inaptidão da equipe do administrador tendem a transformar esta fase inicial em caos e desordem aptos a contaminar todo o evento e, assim, a própria assembleia.
Logo, é fundamental que, à medida que cada credor se habilita no processo, seja na fase de definição dos créditos do art. 7º da Lei n.º 11.101, de 2005, seja na oportunidade do art. 37, §4º, da Lei n.º 11.101, de 2005, adote o cuidado de individualizar checklist referente à adequada representação de cada credor e seu mandatário, comunicando inclusive o interessado e de eventual pendência.
Nesse checklist deve ser observado: a) se os documentos se encontram legíveis; b) se consta a última alteração do contrato social ou estatuto da credora, identificando sua diretoria, gerência ou conselho; c) se a procuração ao mandatário foi outorgada por membro do conselho, diretoria ou sócio da credora; d) se o mandato possui prazo de validade expresso e, neste caso, se é válido àquela data; e e) se o mandatário possui poderes expressos para se manifestar e para votar na assembleia geral de credores.
É de fato surpreendente como uma medida tão simples torna-se capaz de dissuadir práticas temerárias, uma vez que, de um lado, viabiliza que o administrador judicial identifique a validade da constituição de cada mandatário e seus poderes, além de, de outra banda, permitir eventual configuração da perda de direito de voto, na forma do art. 43 da Lei n.º 11.101, de 2005.
Providência que cada vez se mostra mais relevante, é a gravação audiovisual de toda a assembleia geral de credores, desde o começo até o final, passando pela assinatura da lista até a assinatura da ata propriamente dita.
Isso porque invariavelmente as partes se envolvem em debates orais, colocações, questionamentos e alegações alusivas ao plano de recuperação judicial e suas cláusulas, que muitas vezes, por mais minuciosa que seja a redação da ata, ainda assim, eventualmente se perdem frente ao vulto do evento.
De toda sorte, providenciar a gravação audiovisual integral da assembleia de credores é medida útil que por certo assegurará ainda mais transparência do ato solene, especialmente no momento da votação.
Sem prejuízo do emprego de seus próprios instrumentos de cômputo de quórum e de votação, é recomendável em grandes e expressivos cases que a administração judicial contrate, adicionalmente, empresas especializadas nos ditos serviços.
Atualmente, é possível contar com essa prestação de serviços remotamente, gerenciado por profissionais da tecnologia de informação que desenvolvem softwares específicos para essas ocasiões, com excelente relação de custo benefício, o que empresta inegavelmente maior segurança à realização da assembleia.
No cenário em que as assembleias eram essencialmente presenciais, o qual sofreu inegável abalo frente à adoção da modalidade virtual do conclave, até mesmo por força da Recomendação n.º 63, do Conselho Nacional de Justiça, desenvolveu-se a prática de envio remoto – por e-mail ou correio – de manifestações de aprovação ou rejeição do plano.
É certo que a forma virtual cada vez mais aplicada tende a fazer diminuir paulatinamente a referida prática, entretanto, ainda assim, é pertinente registrar que a dita manifestação, além de considerada no cômputo final da votação, haverá de integrar, como anexo, a ata da assembleia.
Portanto, é recomendável que a administração judicial providencie terminais de computador e impressora, devidamente preparado, não apenas para a impressão das ditas manifestações, se for o caso, assim como, e principalmente, para que eventual interessado possa, se assim entender pertinente, manifestar ressalva escrita ao plano.
Feito isso, é perceptível o ganho de tempo e agilidade na confecção da ata da assembleia, por parte do secretário designado ou do auxiliar da administração judicial, de modo a evitar que as ressalvas sejam colhidas uma a uma, transcrevendo-as isoladamente, de modo a substituir tal providência pelo registro da apresentação de ressalvas escritas a serem anexadas ao termo de deliberação.
Essa providência é suficiente para fazer valer o direito de voz dos credores, sem riscos de transcrições equivocadas no corpo da ata, além de garantir a transparência e celeridade ao ato solene.
Lado outro, o momento de abertura da assembleia é, sem dúvida, a oportunidade mais adequada para advertências e instruções inerentes ao evento, dentre elas a expressa referência à imprescindibilidade da assinatura da listagem de presença por todos os participantes, elemento fundamental ao correto cômputo do quórum.
Em seguida, segue-se a apresentação do plano e suas condições pela empresa devedora, seguindo-se manifestações dos credores, por classe, acerca da proposta, viabilizando-se, assim, não apenas sua expressa objeção mas, também, a formulação de pedidos de esclarecimentos ou de pedidos de modificação do plano, acerca dos quais deverá a recuperanda apresentar suas respostas.
Superados estes debates, inclusive com possibilidade de modificação das condições do plano pela empresa, é colocado o plano em votação, cabendo à administração judicial esclarecer aos presentes qual será o método e o formato da votação.
Ao longo dos anos e com o advento da prática, a simplicidade da votação por negativa, aparenta ser o método mais transparente, democrático e célere de se colher votos em assembleia geral de credores.
Esse formato de cômputo, consiste basicamente em colher a manifestação oral apenas dos credores cujo voto for pela rejeição do plano, de maneira a identificar que os silentes se manifestam, tacitamente, pela aprovação da proposta de restruturação. De todas as práticas observadas, essa foi de longe a menos onerosa e de maior transparência, até o presente momento, sem qualquer crítica às demais metodologias utilizadas.
O advento gradativo de meios tecnológicos na realização da assembleia de credores vem, cada vez mais, substituindo a dita metodologia pelo emprego de meios tecnológicos de votação e contagem de votos, como sói acontecer não apenas nas assembleias virtuais, mas também nas presenciais, por exemplo mediante uso de terminais de votação.
Nestes casos, é imprescindível a adoção de estações de votação em números compatíveis com o volume de credores, de modo a permitir que o procedimento de colheita das manifestações seja célere.
Finalmente, encerrada a assembleia e elaborada sua respectiva ata, que detalha as ocorrências e, sobretudo, o resultado da votação do plano por classe, esta haverá de ser subscrita pelo administrador, pela empresa em crise e por 2 (dois) membros de cada classe votante, sendo instruída com todos os anexos mencionados, as listagens utilizadas e as respectivas mídias de sua gravação, para juntada ao processo no prazo do art. 37, §7º, da Lei n.º 11.101, de 2005.
De modo a facilitar a contagem do prazo legal, a sugestão é que seja consignado na ata o horário de encerramento do conclave. Dessa forma, não pairarão dúvidas tocante ao início e fim do prazo de 48 horas, imposto pela própria norma.
Não há como negar a representatividade da assembleia geral de credores no procedimento da recuperação judicial.
O conclave sintetiza toda a lógica adotada pelo legislador na Lei n.º 11.101, de 2005, emprestando prevalência e destaque aos credores e ao devedor na definição de solução para todos satisfatória, mediante conciliação dos direitos creditórios daqueles e o interesse de sobrevida empresarial deste, tão relevante ao contexto social.
É nesse momento, portanto, que os credores obtêm o protagonismo do feito processual, deixando de figurar tão somente na condição de expectadores ou agentes inconformados, sendo-lhes facultado a criação de comitê de credores, bem como o exercício do direito de voz e voto.
Isto posto, denota-se a evidente necessidade de práticas e rotinas, por parte da administração judicial, que revistam o conclave de transparência, acessibilidade, publicidade, democracia, parcimônia e conforto; zelando ainda pela constante urbanidade para com todos os agentes envolvidos direta ou indiretamente nessa solenidade.
Tal circunstância deve ser identificada e compreendida pelo administrador judicial, a quem cabe empregar adequadamente todas as medidas preparatórias necessárias a que o referido evento transcorra com regularidade e transparência próprias da documentação da manifestação de vontade dos interessados.
Assim, observadas as citadas particularidades, contribuirá fundamentalmente o administrador judicial para a adequada prestação da tutela pelo Estado no pormenor da recuperação judicial.
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SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência. 3.ed., São Paulo: Almedina, 2008.
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TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; SATIRO, Francisco (coord.). Direito das Empresas em Crise: problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2012.
1 Não é usual o emprego de nota no título de trabalhos científicos mas, neste caso específico, nos parece prudente a medida para estabelecer, desde logo, uma premissa: apesar de a própria Lei n.º 11.101, de 2005, adoção a expressão “assembleia-geral”, com emprego de hífen, é de se registrar que, tanto o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, quanto o Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, não reconhecem o vocábulo “assembleia-geral”, o que indica que a grafia adequada do termo, segundo a norma culta, é “assembleia geral”, vale dizer: sem emprego de hífen, o que define a forma como será grafada a expressão no presente. A bem da verdade, é de se registrar que a dita alteração na forma culta da língua portuguesa tem origem no Acordo Ortográfico de 1990, que só entrou em vigor no Brasil em 2009, ou seja, quando já vigente a Lei n.º 11.101, de 2005.
2 Advogada e Administradora Judicial, especializada em Recuperação Judicial, com formação pelos melhores Institutos Educacionais de Aperfeiçoamento do Brasil e do Exterior (Insper, TMA Brasil, IBAJUD e Oxford London School, Columbia University Law School Executive Education – NYC), na área de insolvência, recuperação e reestruturação empresarial, orientada por vasto e relevante corpo acadêmico composto de renomados profissionais e doutrinadores.
3 Advogada partner da Acerbi Campagnaro Colnago Cabral Administração Judicial (www.colnagocabral.com.br), de Belo Horizonte-MG, com atuação específica em recuperações judiciais e falências. Mestranda em Direito Empresarial. Administradora Judicial habilitada em recuperação judicial e falência pela TMA Brasil. Especialista em Direito Empresarial e Direito do Trabalho. Associada ao TMA Brasil, ao IWIRC e ao IBAJUD.
4 Valem aqui, integralmente, as considerações feitas para as expressões “assembleia-geral” e “assembleia geral”, justificando então o emprego, segundo a norma culta da língua portuguesa, do vocábulo “quadro geral”, ao invés de “quadro-geral”.
5 É pertinente registrar que, a despeito da redação aberta do preceito, sua inteligência se restringe à interpretação da vontade da comunhão de credores em relação à proposta de reestruturação da empresa, de modo que outros tantos temas, especialmente aqueles de fundo técnico jurídico, hão de ser objeto de decisão do próprio administrador judicial ou do juízo universal, conforme a incidência da regra de reserva de jurisdição. Com efeito, não cabe à assembleia geral, por exemplo, deliberar sobre a regularidade de representação no ato de determinado credor e sobre o direito de voto reconhecido a determinado participante, sobretudo porque tal medida, em muitas oportunidades, pode se revelar como providência destinada à imposição de dano deliberado ao devedor ou de subjugação das minorias, em exercício abusivo do direito de voto.
6 Princípios da República Federativa do Brasil, na forma do art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal.
7 Objetivos fundamentais, de natureza implícita, da República Federativa do Brasil, na forma do art. 3º, inciso III, da Constituição Federal.
8 Lei n.º 11.101, de 2005. Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. § 1º A data designada para a realização da assembléia-geral não excederá 150 (cento e cinqüenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.
9 Lei n.º 11.101, de 2005. Art. 36. A assembleia-geral de credores será convocada pelo juiz por meio de edital publicado no diário oficial eletrônico e disponibilizado no sítio eletrônico do administrador judicial, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá: I – local, data e hora da assembléia em 1ª (primeira) e em 2ª (segunda) convocação, não podendo esta ser realizada menos de 5 (cinco) dias depois da 1ª (primeira); II – a ordem do dia; III – local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do plano de recuperação judicial a ser submetido à deliberação da assembléia.
Em Patos de Minas, a ACCC é encarregada da gestão da recuperação judicial da Borracharia…
Em Dores do Indaiá, região central de Minas, cabe a ACCC a administração de pedido…